segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Como se cria a seda de forma tradicional


A seda, um dos mais caros e nobres tecidos, desejados sobretudo pelas mulheres, sofre um longo e complexo processo de transformação, tornando-o num dos produtos mais luxuosos que o homem exibe.


Pare se perceber tal transformação, eis pois como tudo se passa:


Os bichos da seda criam-se nas amoreiras, sobretudo de folha larga. Estes bichinhos , depois de sofreram varias e complicadas metamorfoses, apanham-se na fase de casulo. depois de extrair os casulos, colocam-se numa caldeira, de preferência de cobre, com água a cerca de 90 graus, amolecedo-os. Depois, com uma vassoura de carqueja, apanhamos o fio sedoso, que passa depois para um carreto e daí vai para um sarilho onde se fazem as meadas. De seguida, essas meadas vão para a dobadoura onde se separam os fios um por um e voltam-se a juntar conforme o tipo de trabalho que se pretende fazer. Daí seguem para o covilho. Esse fio, ainda passa por um fuso, vai a cozer e volta-se a fazer uma meada, seguindo por fim para o tear. Como vêm, não se admirem que uma peça de seda seja tão cara. Todavia, o prazer da exibir e a leveza do seu ser, é de facto algo que nos aconchega o corpo e nos aquece a alma.
Legenda:
Carqueja - Planta silvestre usada como acendalha; Sarilho- Espécie de dobadoura; Dobadoura - aparelho para dobar;
covilho - malga de barro grosseiro com asas laterais; fuso - instrumento roliço com que se fia

6 comentários:

Anónimo disse...

Essa leitura sobre bicho-da-seda e amoreira conduziu-me à minha infância, aqui mesmo nesse quintal onde resido até hoje.
Ela ficava em nosso quintal defronte a casa onde moro hoje , seus galhos se estendendo para a casa dos vizinhos, que disputavam comigo as canequinhas cheias de amora que deixavam-nos de línguas roxas. O quintal era grande, vó Mena plantava muitas árvores e plantinhas floridas que ela regava aos cântigos portugueses, todas as manhãs. Tínhamos um galinheiro, de onde todas as manhãs conseguíamos alguns ovos, chiqueiro com lindos leitõezinhos e porcos gigantescos! A minha árvore do balanço, perto do tanque de lavar roupa. A amoreira era a única árvore em que eu subia. Não gostava de jacas e, além disso, a jaqueira vivia infestada de lagartas enormes, com vários sapatinhos nos pés. Eu morri de medo. Custava a acreditar que logo elas seriam lindas borboletas coloridas!Tínhamos, tamarineira, mangueira, cajueiro, coqueiro, nespereira, laranjeira, tangerineira, goiabeira,caramboleira, pitangueira, bananeira, cacaueiro e ervas medicinais tais como: erva de Santa Maria, carqueja, louro, cidreira, erva-doce, romã, capim-limão, folhas de laranja da terra, açá-peixe, que foram os meus medicamentos de infância! Tínhamos gansos, marrecos, patos, codornas, coelhos, passarinhos, papagaio e até miquinhos! Era um Zoo aqui em casa e vó sempre cuidava de todos com rações, alpiste, canjiquinha, girassol, lavagem,... Conforme o "cardápio" de cada animalzinho! Porém, entre tantas árvores a amoreira era a nossa verdadeira amiga.
Do alto de seus galhos brincávamos de perdidos na floresta, de casa na árvore, Tarzã... Das folhas fazíamos "comidinhas" improvisadas para as bonecas, ou ainda serviam como ‘couve’ para a comidinha quando a gente brincava de casinha. Um pouco mais tarde, era do alto da amoreira que eu esperava o menino que passava para a casa da avó dele, quando ele voltava da escola. Eu ficava escondida entre as folhas para que ele não soubesse da minha paixão platônica.
A gente amava a amoreira. Até abraçada e beijada aquela árvore foi.
Só das formigas que disputavam território conosco nos galhos é que não gostávamos! Cada mordida!E tínhamos medo do bicho-da-seda. Nós o chamávamos de "múmia egípcia"!
Alguém, ainda hoje não sei quem, resolveu que a árvore era um estorvo, que teria que ser cortada.
Assim como a amoreira, hoje não há muitas dessas árvores, nem os bichinhos, nem o jardim da vó Mena. Só mesmo ela tinha paciência de cuidar de tudo isso aos sons das modinhas de Portugal!Hoje ela não costuma cantar, só recordar...

Anónimo disse...

Não consegui recordar minha palavra passe. O comentário da amoreira ficou como anônimo!

Terezinha Fatima

Thera disse...

Não sei se a poesia "A Palavra Seda", de João Cabaral de Melo Neto, foi encaminhada. Mas, continuando a homenagem à seda e a seu bichinho tão especial, bem como a todos os que criam a seda de forma tradicional tal se descreve neste blog, ao autor deste
e a todos de Vale de Gouvinhas, uma poesia de um autor de Brasília, capital do Brasil:

SEDA

Entre as dobras do tempo
eu me dobro.
Entre suas fendas
me escondo.
Sob as ondas do tempo
soçobro
qual partícula de areia
intangível
que se dilui no turqueza
das águas.

Ah! As águas do mundo
me embalam
e me embolo, qual feto
aturdido
aos primeiros frêmitos
da luz.
...
Ah! Mundo, mundo, mundo,
como são várias
suas leituras
e possibilidades!

Onde me dobro,
onde mergulho,
onde me encolho,
Onde me escolho,
Onde me acolho?

Onde guardar
meus fardos
meus fados
meus dardos
E meus casulos
que antecedem a seda
mais fina,
e a renda
mais perfeita?

Postado por Danilo de Abreu Lima

Thera disse...

Esquecia-me de dizer que Vó Mena, além dos animais que citei em comentários anteriores, também criou cabras! Ela dizia-me que em Portugal a família criava animais e que havia um lugar, não sei se debaixo da casa, onde esses animais ficavam recolhidos. A casa que fotografaste tem um espaço onde porventura serviria de abrigo aos animais?
Ela fala-me muito também sobre pisar uvas... Aliás, essas frutinhas são as preferidas de minha avó. São cachos e mais cachos de uva que ela saboreia sentada em frente à entrada da cozinha, onde costuma tomar um pouco de sol pela manhã e a brisa do finzinho de tarde, apesar de estarmos num verão de quase 40 graus! Temos tido muitas tempestades no início das noites, com relâmpagos e trovões. Vó cobre espelhos, esconde tesouras, facas...Esse é um costume que ela preserva. Diz que é para não atrair raios.

vale gouvinhas meu amor disse...

Olá Terezinha
Quanto ao espaço destinado a abrigar os animais, sim confirmo. A maioria das casas tinham no seu rés-do-chão as "lojas" dos animais, que além de lhes servir de abrigo, eram também autênticos aquecimentos centrais durante o inverno do 1º e único piso onde se encontravam, os poucos, aposentos da habitação.
Relativamete ao pisar de uvas, devo dizer-te que ainda hoje é muito comum faze-lo. Esta prática e efectuada quando se pretende fazer vinho. As uvas são colocadas num lagar, onde são meticulosamente esmagadas com o pé do homem durande cerca de 2 dias.Após esta operação, aguarda-se que o liquido (mosto) fermente e esteja em condições para poder ser retirado para pipas, onde se processa uma outra fermentação mais lenta. Após cerca de 60 a 70 dias, mais ou menos,(na altura do São Martinho) já se pode provar o delicioso vinho. Basicamente, o que a tua avó queria dizer, era apenas isto. Saude Berto Cordeiro

Anónimo disse...

Muito grata pelos esclarecimentos! Gosto muito de leituras, de poesias, enfim, amo ler! Gosto de ir lá no livro de visitas do site de Vale de Gouvinhas, aqui em teu blog, conhecer sobre a Pátria de meus avós maternos! Gosto dos escritos de vocês! Admiro muitíssimo vários escritores, poetas, entre os quais: Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Adélia Prado, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Anaïs Nin, Mário Quintana, Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto...Todos são iguais bichos da seda que tecem o fio da trama dos sentimentos!

A Palavra Seda

João Cabral de Melo Neto

A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.

E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.

É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.

E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,

nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.

Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,

há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,

de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.

(Quaderna, 1956-1959)

Fonte: www.academia.org.br